A transposição do São Francisco é um projeto orçado em R$ 4,5 bilhões e que prevê a construção de dois canais que totalizam 700 km de extensão. A idéia da transposição do São Francisco vem desde Dom Pedro II porém, naquela época, faltavam recursos de engenharia para tal obra. O projeto foi abandonado mas não esquecido. Ele foi discutido durante os governos de Getúlio Vargas, em 1943, e de Fernando Henrique Cardoso, em 1994.
O projeto prevê a construção de dois canais, sendo que um deles, o leste, terá cerca de 210 km, e trará água ao estado de Pernambuco e levará água também para a Paraíba. O canal norte, por sua vez, terá 402 km, e também beneficiará Pernambuco e Paraíba, mais o Ceará e o Rio Grande do Norte. Com previsão de beneficiar 12 milhões de pessoas, o projeto prevê a captação de 1,4% da vazão de 1.850 metros cúbicos por segundos (m³/s).
Qual o impacto desse projeto?
Juntamente com a Itaipú e a Transamazonica, a transposição do São Franscisco será uma das maiores obras de engenharia do Brasil. É claro que uma obra dessa magnitude causa impactos em toda a região. O governo federal apresentou um relatório de impacto ambiental da obra. Ele foi divulgado pela Agência Brasil. Abaixo segue alguns ítens:
Impactos positivos:
- Aumento da água disponível e diminuição da perda devido aos reservatórios.
- Geração de cinco mil empregos durante a construção da obra (quatro anos), aumentando a renda e o comércio das regiões atingidas.
- Abastecimento de até 12,4 milhões de pessoas das cidades.
- Abastecimento rural com água de boa qualidade.
- Extinção de problemas trazidos pela seca, como a escassez de alimentos, baixa produtividade no campo e desemprego rural.
- Irrigação de áreas abandonadas e criação de novas fronteiras agrícolas.
- A qualidade da água dos rios e açudes das regiões receptoras será beneficiada com as águas do São Francisco.
- A oferta de água irá ajudar a fixar cerca de 400 mil pessoas no campo.
- Redução de doenças trazidas pelo consumo de água inapropriada, reduzindo a pressão na infra-estrutura de saúde.
- Perda do emprego da população nas regiões desapropriadas e dos trabalhadores ao término das obras.
- Risco de perda de biodiversidade de plantas e animais aquáticos nos rios da região.
- Piora na qualidade de vida dos trabalhadores da região.
- A desapropriação das terras e o êxodo das regiões atingidas alterará o modo de vida e os laços comunitários e pode provocar conflitos sociais.
- Circulação de trabalhadores por terras indígenas de duas etnias: Truká e Pipipã.
- Pressão na infra-estrutura urbana nas cidades que irão receber os trabalhadores.
- A região do projeto possui muitos sítios arqueológicos, colocando-os em risco.
- Desmatamento de 430 hectares de terra e possível desaparecimento do habitat de animais.
- Introdução de espécies de peixe prejudiciais ao homem na região.
- A diminuição dos volumes dos açudes provocará a redução biodiversidade de peixes.
- Alguns rios não têm capacidade para receber o volume de água projetado, inundando os riachos paralelos.
E a greve de fome?
Longe de todas as discussões sobre o projeto, o grande tema da mídia e dos movimentos sociais foi a greve de fome do Bispo Dom Luiz Cappio. CNBB, MST, ecologistas, partidos de esquerda e de direita saíram no socorro de Dom Luiz. Não é a primeira vez que ele faz uma greve de fome contra o projeto. Da primeira vez ele recebeu o apoio de ACM e do Governador do Sergipe João Alves, chefe do PFL local. Bernardo Kucinski escreveu num artigo para a Agência Carta Maior que é difícil encontrar uma explicação para a segunda greve de fome de Dom Luiz. "Na primeira greve de fome contra a transposição do Rio São Francisco, ele ainda falava em negociação. Agora não propõe negociar nada. Exige que o Exército abandone o canteiro de obras e o projeto seja arquivado.", escreve Bernardo. Ele aponta também que os problemas enfrentados pelo São Francisco são comuns em outros rios que foram atacados pelo desmatamento, açoreamento dos leitos e poluição, "A diferença é que o Rio São Francisco ganhou um projeto que, com a transposição de uma pequena fração de suas águas, poderá transformar o cenário de toda uma região, hoje miserável.", escreve.
O Le Monde Diplomatique, edição brasileira, também entrou na polêmica. Com dois artigos, um escrito pelo teólogo Leonardo Boff e outro pelo filósofo e professor da UERJ Rodrigo Guéron, travam um série de argumentos sobre as ações do Bispo Dom Luiz e sobre o projeto de transposição. Estranhamento o texto de Leonardo Boff é recheados de lugares comum, palavras de efeito cristãs e muito poucos argumentos sólidos.
É de estranhar que um elaborador tão qualificado quanto Leonardo Boff só tenha conseguido argumentos tão fracos. Em um trecho Leonardo Boff lança Dom Luiz para a canonização: "O amor ao próximo e ao sofredor é a regra de ouro, a suprema norma da conduta verdadeiramente humana — porque abre desinteressadamente o ser humano ao outro, a ponto de dar a própria vida para que ele também tenha vida, como o está fazendo o bispo Dom Cappio, figura de eminente santidade pessoal e de incondicional amor aos deserdados do vale do São Francisco". Só isso?
Em contrapartida Rodrigo Guéron aponta que os apoiadores de Dom Luiz não podem ser chamados de esquerda pois apoiam um dos mais profundos conservadorismos brasileiros. Um esquema que glorifica a fome, sofrimento e a morte. Em outro trecho ele é taxativo: "O ato do bispo é, em primeiro lugar, um culto à fome, ao sofrimento e em última análise à própria morte. O bispo se auto-exalta, e é exaltado, como alguém que seria mais virtuoso que os outros porque sofre e passa fome. Isso o faria uma espécie de portador da verdade. Ou seja, fome e sofrimento seriam uma espécie de passaporte para a bem", sentencia.
Os textos são bem interessantes e fogem bastante da cobertura da grande mídia sobre esse assunto. Uma boa dica de leitura nesse final de ano.
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