A Edição do Globo de Ouro que ocorreu no domingo, 17/11, premiou o filme de James Cameron com a estatueta de Melhor Filme e Melhor Diretor. O filme havia sido indicado, também para as categorias de Melhor Música (Original) e Melhor Trilha. O filme celebra a volta de Cameron depois de seu mega sucesso Titanic, de 1997. Avatar não só está conseguindo ser uma das maiores bilheterias da história do cinema, como está também gerando muita polêmica. Algumas dessas polêmicas são mais fruto de confusão mental do que propriamente uma análise mais profunda sobre o filme. Mas o que tem de tão espetacular nele?
Eu assisti a versão 2D. Lamentavelmente em Caxias não há sala 3D. Talvez eu ficasse muito mais impressionado com os efeitos especiais e esquecesse completamente a história se tivesse um óculos com uma lente de cada cor. Para começo de conversa o que mais me chamou atenção no filme foi o capricho do diretor e dos responsáveis pelos efeitos especiais de criar um mundo completamente do nada.
Centenas de filmes de ficção científica criaram aliens, mas esse é o único que criou uma biosfera inteira. Tinha seres que correm, nadam, rastejam e voam e tinham humanóides também. O detalhe na definição dos habitantes desse mundo extraterreste encanta, na minha opinião, mais do que qualquer outro elemento do filme. Tem também uma relação simbiótica entre seus habitantes. Parece que o roteiro foi escrito baseado nos livros de Fritjof Capra (como citou @anahifros no twitter). Essa é a relação que mais causou incomodo há alguns críticos do filme.
Em sua coluna no Jornal Correio do Povo, Juremir Machado, chama o filme de "Um faroeste tecnológico na Amazônia. Feito para crianças, explora o mercado da ecologia.". Essa é uma afirmação muito infeliz, para ficar por aqui nos adjetivos. Demonstra que não há um compreensão mais profunda sobre a própria história. A proposta criada por Cameron apresenta Pandora como um mundo onde todos os seus seres vive em harmonia com o meio ambiente. Mas não aquela harmonia que apontamos como o modo de vida indígena. Cada ser desse planeta é profundamente conectado com o outro. Aí que se encaixa o pensamento de Capra e vai além do que ele escreveu. Estamos aqui falando de como a presença, humana ou não, pode alterar um ecossistema inteiro que está profundamente conectado. Sendo ou não você um ambientalista radical, é cada vez mais evidente que o que fizemos com o nosso meio ambiente afeta o planeta como um todo. Cameron mostrou isso utilizando recursos lindísssimos.
Aqui entra um outro detalhe. O roteiro do filme começou a ser escrito em 1994, muito antes do boom ambientalista dessa década. Portanto para quem critica que o filme é um eco-radical faltou um pouco de pesquisa para posicionar a história quando ela começou a ser feita.
Outro tipo de crítica diz que o filme faria coro a nova ordem americana detonando George W. Bush. Bush teria sido retratado na personagem do Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang). Tá certo que o Coronel Quarich é tão belicoso como os dois Bush, ele é até um pouco caricato, mas daí para frente é pura paranóia na minha opinião. Outra questão de falta de entendimento do filme é dizer que o exército americano é expulso de Pandora. Em nenhum momento do filme fala-se que o exercito seja o americano, isso é fruto de mentes muito americanizadas. O exército que protege os "investimentos" em Pandora é um exército mercenário. Essa é uma das primeiras falas do filme.
Não foram nenhum desses dois elementos - relação simbiótica com a natureza e a derrota de um exército mais forte por um mais fraco - que me chamaram atenção no filme. A principal questão que fiquei refletindo é a eterna pergunta: "Devemos intervir e/ou julgar uma sociedade por sua cultura?". Gene Roddenberry, em Star Treck, tenta responder essa pergunta criando as Diretrizes da Frota Estelar, a primeira diz: "...nenhum membro da Frota Estelar pode interferir com o desenvolvimento normal e saudável da vida e da cultura de uma espécie alienígena."
Na minha opinião fica muito claro a mensagem que o filme quer transmitir nesse ponto. Quem somos nós para julgar uma cultura? Se os Na'vi tem uma árvore com seu Deus devemos acha-los inferior? Claro que não. Isso vale também para a vida aqui na Terra. Aí sim talvez uma critica ao governo belicoso dos Bushs ao taxar culturas que não tinham os mesmos valores da sua como "eixo do mal" ou então tentar converter o mundo, a força, as concepções puritanas que inundaram o seu governo.
E a tecnologia? Bom isso é um caso a parte. Na verdade é um show a parte. Avatar é o primeiro filme legendado feito em 3D. A qualidade dos efeitos nos fazem ficar em dúvida do que é realidade e o que é animação. Na minha opinião Avatar nos mostra um futuro cinematográfico onde não podemos mais acreditar nos nossos olhos. Ele não traz nenhum grande avanço na linguagem do cinema, isso é verdade. O que ele faz, e faz bem e criar um mundo de ilusão que nem nos mais loucos sonhos você poderia atingir. Ao olhar a tela parece que há o uso de todas as milhões de cores possíveis, e como elas combinam bem! Os planos de câmera devem fazer muito mais sentido na versão em 3D onde há o privilégio ao elemento de primeiro plano e também há grande profundidade de campo.
Se o filme não modificou o cinema na sua estética, modificou ele na sua produção. A empresa Weta Digital, que já esteve envolvida na criação de filmes como “Eragon”, “Senhor dos Anéis”, “King Kong” e “Eu, Robo”, foi a responsável pela criação de um dos maiores datacenter do mundo. Vocês fazem ideia do tamanho dele? Foram 4.352 servidores HP ProLiant BL2×220cG5, com 104 Terabytes de memória RAM, que encaminhavam para um sistema de armazenamento de 3 Petabytes! Os servidores trabalhavam 24 horas por dia e processavam 1,4 milhões de tarefas diárias processando cerca de 7 Gigabyes por segundo. Cada frame do Avatar tem 12 MB. Importante, os servidores rodavam Linux (veja essa matéria).
As câmeras de filmagem são um espetáculo extra. Foram especialmente desenvolvidas para o filme pela Sony criando, assim, uma nova geração de câmera estereoscópicas. Mas não é um 3D comum onde um elemento salta da tela em sua direção. A tela inteira tem profundidade, com isso a tela de cinema vira um palco (isso não dá para ver em 2D - infelizmente). Na foto ao lado Cameron segura uma dessas câmeras.
Foram sete anos de trabalho para criar o sistema de câmera
estereoscópica mais avançado do mundo. As câmeras funcionaram à
perfeição no set de “Avatar”, permitindo que as cenas se fundissem
suavemente com as imagens em computação gráfica, num processo uniforme.
O filme é surpreendente. Se você ainda não viu, veja. Assistir ao filme em casa só se você tiver uma televisão HD e Blue ray. Toda a emoção e sensação de ver o filme no cinema se perderia em nossas televisões.
3 comentários:
Uau! Muito bem comentado. Realmente é uma obra de arte que estava faltando. Falar sobre ecologia na linguagem da geração Y é necessário para a sobrevivência desse planeta do jeito como o conhecemos. Se essa geração não desenvolver - ou melhor, lembrar - de sua conexão com a mãe Terra, sugiro investirem na exploração de outros planetas, pois este está fadado a expulsar os humanos daqui.
E esta é a melhor metáfora do filme - não temos mais espaço para sugadores inescrupulosos nessa nova realidade.
A outra metáfora genial é de que devemos usar a tecnologia para entendermos outras dimensões da realidade de outros povos. Compreender o sistema tribal poderia dar uma melhor chance de eliminarmos as doenças sociais comuns em nossa época - como fobia social, depressão, transtorno obsessivo-compulsivo, entre outros.
Alexandre, parabéns pelo texto, está muito bem escrito.
Grande abraço.
Lucas
Que bom encontrar um texto bom para ler. O filme é isso aí...e tem muinto da "Teia da Vida" do Capra mesmo.
Vander
Excelente! Só não vê Capra quem não conhece.
Melhor ainda o link para as Diretrizes da Frota Estelar! HAUHAUHAUAHUA
O troço tem muito de "Eram os Deuses Astronautas?" do Von Daniken.
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