sexta-feira, junho 08, 2007

A Infanticida Marie Farrar

Brecht que chamava a sí próprio de o pobre do Bertolt Brecht, nasceu em Augsburg (sul da Alemanha) em 10 de fevereiro de 1898 e morreu em 14 de agosto de 1956, em Berlim.

Brecht é um dos maiores dramaturgos do século XX e com certeza o mais engajado politicamente.

O livro Poemas 1913-1956, publicado pela Editora 34, reune em suas 358 páginas todas as fases do escritor. A poesia que eu transcrevo abaixo faz parte do seu primeiro livro Manual de Devoção publicado em 1926.

A poesia fala por sí só. Boa leitura. (ah! comentem por favor. Blog sem comentário é muito chato).

PS: Obrigado Claudio Teixeira por ter me emprestado o livro.

1
Marie Farrar, nascida em abril, menor
De idade, raquítica, sem sinais, órfã
Até agora sem antecedentes, afirma
Ter matado uma criança, da seguinte maneira:
Diz que, com dois meses de gravidez
Visitou uma mulher num subsolo
E recebeu, para abortar, uma injeção
Que em nada adiantou, embora doesse.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.


2
Ela porém, diz, não deixou de pagar
O combinado, e passou a usar uma cinta
E bebeu álcool, colocou pimenta dentro
Mas só fez vomitar e expelir
Sua barriga aumentava a olhos vistos
E também doía, por exemplo, ao lavar pratos.
E ela mesma, diz, ainda não terminara de crescer.
Rezava à Virgem Maria, a esperança não perdia.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

3
Mas as rezas foram de pouca ajuda, ao que parece.
Havia pedido muito. Com o corpo já maior
Desmaiava na Missa. Várias vezes suou
Suor frio, ajoelhada diante do altar.
Mas manteve seu estado em segredo
Até a hora do nascimento.
Havia dado certo, pois ninguém acreditava
Que ela, tão pouco atraente, caísse em tentação.
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

4
Nesse dia, diz ela, de manhã cedo
ao lavar a escada, sentiu como se
Lhe arranhassem as entranhas. Estremeceu.
Consegiu no entanto esconder a dor.
Durante o dia, pendurando a roupa lavada
Quebrou a cabeça pensando: percebeu angustiada
Que iria dar à luz, sentindo então
O coração pesado. Era tarde quando se retirou.
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

5
Mas foi chamada ainda uma vez, após se deitar:
Havia caído mais neve, ela teve que limpar.
Isso até a meia-noite. Foi um dia longo.
Somente de madrugada ela foi parir em paz.
E teve, como diz, um filho homem.
Um filho como tantos outros filhos.
Uma mãe como as outras ela não era, porém
E não podemos desprezá-la por isso.
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

6
Vamos deixá-la então acabar
De contar o que aconteceu ao filho
(Diz que nada deseja esconder)
Para que se veja como sou eu, como é você.
Havia acabado de se deitar, diz, quando
Sentiu náuseas. Sozinha
Sem saber o que viria
Com esforço calou seus gritos.
E os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

7
Com as últimas forças, diz ela
Pois seu quarto estava muito frio
Arrastou-se até o sanitário, e lá (já não
sabe quando) deu a luz sem cerimônia
Lá pelo nascer do sol. Agora, diz ela
Estava inteiramente perturbada, e já com o corpo
Meio enrijecido, mal podia segurar a criança
Porque caía neve naquele sanitário dos serventes.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

8
Então, entre o quarto e o sanitário - diz que
Até então não havia acontecido - a criança começou
A chorar, o que a irritou tanto, diz, que
Com ambos os punhos, cegamente, sem parar
Bateu nela até que se calasse, diz ela.
Levou em seguida o corpo da criança
Para sua cama, pelo resto da noite
E de manhã escondeu-o na lavanderia.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

9
Marie Farrar, nascida em abril
Falecida na prisão de Meissen
Mãe solteira, condenada, pode lhes mostrar
A fragilidade de toda a criatura. Vocês
Que dão a luz entre lençóis limpos
E chama de "abençoada" sua gravidez
Não amaldiçoem os fracos e rejeitados, pois
Se o seu pecado foi grave, o sofrimento é grande.
Por isso lhes peço que não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.

4 comentários:

elektrofossile disse...

Velho BB.
Aquele do "Analfabeto Político": pq o preço do sapato, a puta da esquina e a bolsa de valores dependem da política ...

Frz disse...

Esse é fodão MESMO!

Unknown disse...

Pobre mãe miserável tomara que tenha desencarnado normalmente, não tenha virado um espírito errante ou uma sombra...

TABnarede disse...

Boa lembrança nesse momento em que a discussão sobre o abandono de bebês nunca chega até o final. Moralismo, arrogância e discriminação é só o que vemos no debate. Para continuar debatendo, ler "Mães que abandonam os seus filhos e as chagas de Obaluaiê", por Lívia Tiede no blog TABNAREDE.